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Arquimedes Pessoni

Arquimedes Pessoni nasceu no bairro Rudge Ramos, em São Bernardo do Campo. Fez faculdade de Jornalismo na Metodista. Começou a exercer a profissão em um pequeno jornal da empresa Trorion. Depois, trabalhou por anos na Prefeitura de Santo André, até chegar na área acadêmica, como professor de idiomas, depois docente de comunicação na FIAM e na USCS. Imagem do Depoente
Nome:Arquimedes Pessoni
Nascimento:03/03/1966
Gênero:Masculino
Profissão:Jornalista e Professor
Nacionalidade:Brasil
Naturalidade:São Bernardo do Campo

TRANSCRIÇÃO DO DEPOIMENTO DE ARQUIMEDES PESSONI EM 29/01/2021
Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS)
Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC e Laboratório Hipermídias
Depoimento de Arquimedes Pessoni, 55 anos.
On-line, 29 de janeiro de 2021.
Entrevistadora: Priscila Perazzo.
Transcritor: Pamela Silva Carvalho.


Pergunta:
Bom Arque, então vamos pedir para você começar falando sua data de nascimento, seu local de nascimento e, se quiser já comentar um pouquinho sobre as origens da sua família.


Resposta:
Bom, eu nasci no dia 3 de Março de 1966, aqui em Rudge Ramos. Eu sou o quarto filho de uma família de cinco, a minha mãe teve os quatro primeiros em casa, a cegonha que trouxe, então foi com a parteira aqui em Rudge Ramos, só a minha irmã Adriana que nasceu no Hospital São Bernardo. A família basicamente é de origem italiana. Por parte de pai é família Pessoni e tem "Suster", tem "Finco", toda aquela região do montanhão e Riacho Grande, a italianada que chegou à onda de 1878 e foi ficando por aqui. Por parte materna, é o mix da família Meneghel, que foi uma das primeiras que chegou a São Caetano e depois veio aqui para o bairro dos meninos, a casa onde eu nasci que está lá até hoje e foi a primeira da rua que feita pelo meu nono e pelos irmãos dele, a família Meneghel e... Sim?


Pergunta:
Qual é a rua? E como era a casa?


Resposta:
É a rua da represa. É uma travessa da Doutor Rudge Ramos... Ela liga a Doutor Rudge Ramos com a Anchieta, na altura ali da passarela. Acho que foi a primeira casa da rua, lembro que na casa da frente morava o Nono e a Nona, e depois as filhas iam casando e fazendo aquela... Com o terreno comprido, né, de 14x60 é tanto. E foi lá onde passei toda minha infância basicamente, até os 18 anos eu fiquei ali. Depois a gente acabou mudando porque minha mãe teve um AVC e a casa era grande, então a gente foi para um apartamento, mas tem muita história naquela casa e depois que os meus pais faleceram virou a herança dos irmãos. Então aquela casa... Que, na verdade, virou duas agora, né? Porque se dividiu por cinco, quatro filhas estão alugadas até hoje e é renda nossa lá, mas teve muita história... Tudo o que tem naquela rua eu vi nascer, né, os prédios de hoje eram um campo de futebol que eu brincava... Então era bem bacana ali, tenho o maior carinho.


Pergunta:
Ah, conta um pouco mais dessas brincadeiras, assim, da parte de infância, dessa infância mais moleque e depois a gente vê como foi a infância mais mocinho.


Resposta:
Era muito pobre Priscila, a família era muito pobre, né. Tipo, a gente comia... O meu nono tinha uma horta lá no fundo, então a gente comia chuchu, comia radite, aquelas coisas que o nono plantava, né. Meu pai sempre foi peão de fábrica e minha mãe costureira então para sustentar cinco filhos, meus irmãos começaram a trabalhar, aliás, todo mundo começou a trabalhar muito cedo né, meu irmão com 11 anos já estava na padaria, minha irmã mais velha com 14 já estava na ‘Titóia', que é uma empresa, a Isabel com 16 já trabalhava na padaria, eu comecei com 13 também porque precisava ajudar de alguma forma... Não que meu pai quisesse dinheiro, não era essa ideia, mas se a gente quisesse alguma coisa a gente teria que fazer por merecer, tanto que faculdade... Eu sou o primeiro da família a ter faculdade e foi sempre pago, né. Meu curso de inglês, que eu já contei que fui professor de inglês, era eu que pagava. Eu trabalhava na padaria do meu irmão e a tarde fazia... Então assim, era um investimento que eu tinha que fazer meu pai... Eu me lembro até hoje que ele ficou muito triste quando eu falei para ele que eu tinha entrado na segunda faculdade, porque depois que eu terminei a comunicação e jornalismo com 21 anos, eu fui fazer economia e aí eu passei na Fundação Santo André e eu falei ‘Ó, pai, eu passei em economia' e lembro que ele ficou chateado, ‘Mas porque você tá chateado, triste, você tem que estar feliz né', e ele falou assim ‘Não, eu estou chateado porque eu nunca pude te ajudar com isso', ‘Ah, mas você me deu a base, né, saber ser honesto, trabalhador veio daí, e a partir daí o resto é comigo, né'. E foi muito isso que a gente utilizou para a minha filha, para a Natália, ‘Olha, Natália, a gente não vai te deixar patrimônios, o que eu tenho hoje vai ser consumido até a minha velhice, o que a gente vai te deixar é uma coisa que ninguém rouba que é o conhecimento. ' Então a gente falou de faculdade, pós-graduação, que ela esta fazendo no exterior a segunda... Então, isso aqui, esse conhecimento, você sabendo vender, vai te sustentar para a vida. Então essa ideia ficou muito marcada na infância. E aí eu comecei... Bom, a vida... A vida era a brincar no quintal, na rua de pega-pega, duro ou mole, polícia e ladrão, jogar bola no campinho, fazer cabaninha, esconde-esconde, aquelas coisas, né. Era legal, na época não tinha violência, então as mães sentavam na calçada e ficava vendo a gente brincar até as 23 horas da noite e no dia seguinte ia para a escola, chegava em casa e lavava a louça para mãe, fazia a lição... E a vida era assim, basicamente feliz assim, na pobreza, mas muito bacana. Assim, não tinha... Tomava uma Itubaína de domingo, mas se fosse à missa, se não fosse à missa não ganhava, tinha um macarrão com carne no domingo, então domingo era dia de festa normalmente lá em casa. [5'] E aí depois quando eu comecei a trabalhar, eu tinha que começar a trabalhar cedo, comecei a trabalhar com 13 anos, aí meu irmão comprou uma padaria, ele já tinha casado, comprou um bar na verdade, vendeu e depois comprou padaria, ai ele me levou para lá, onde foi meu primeiro registro em 1984, acho que foi isso... 84?... Por ai, 80... Enfim, eu tinha 13 para 14 anos aí eu fiquei... Aí eu pegava o primeiro... Eu acordava cedo e pegava o primeiro ônibus que passava na avenida, que ia para o Riacho Grande, e tinha aquele monte de velho com vara, capi... Final de semana tinha uma casa de prostituição de luxo aqui no Rudge, que chamava Dragão Teimoso, e as prestadoras de serviço saiam com seus clientes, que era um forfeio... Só que ai eu não queria, falei ‘O que é isso, por que esse povo está acordando tão cedo, eu só queria dormir... ' Mas eu tinha que chegar à padaria 4h30, descer lá na Jurubatuba, cruzava o matagal morrendo de medo, chegava à padaria e trabalhava até uma hora da tarde, as vezes de domingo e tal... Não era fácil, mas enfim eu não reclamo, aprendi muito. Hoje eu acho que a minha saúde me cobrou muito isso né, do desgaste físico que eu tive. Aí quando eu tinha 18 anos, eu consegui ser liberado do tiro de guerra na época e fui fazer alguma coisa que vale a pena. Aí fui fazer... Trabalhar em banco, trabalhar em empresa e tal. Aí depois que eu me casei eu resolvi ir lá... Na verdade, na época em que eu me casei né... A gente casou em julho, quando eu voltei à Fundação Santo André que eu fazia a economia que eu não terminei porque não... Eu não sou de exatas mesmo, aí eu vi que tinha um concurso de Santo André, prestei e depois de dois anos eu entrei na prefeitura, em 1991, lá no Celso Daniel já na área de comunicação efetivamente para tratar jornalismo na assessoria de imprensa e fiquei 14 anos lá... Não, bem mais... Eu saí em 2014. E nesse meio tempo eu não aguentava mais essa vida de funcionário público, eu olhava aquelas pessoas que ficavam contando o dia para se aposentar... Falei, ‘gente, eu não quero ser isso', eu queria coisa nova, eu queria aprender né... Aí eu estava precisando que... Na época eu trabalhava lá meio período e outro meio período prestava serviço na Medicina ABC, a convite da professora Vânia, eu montei a assessoria de comunicação para eles e um dia o professor Marco Arcriman, que hoje é titular da saúde coletiva lá em São Paulo, me chegou com um recorte de um jornalzinho do CREMESP e falou ‘olha, eu quero que você vá fazer mestrado em comunicação e saúde na Metodista com Isaac _____', ‘Ah não, isso é muito chato pelo amor de Deus... ' E eu já via o que a Rose fazia, a minha esposa né, fazia o mestrado em biologia e era um sofrimento, né, ter que escrever naquelas linguagens que ninguém entendia nada, __________... ‘Ah, gente, eu sou jornalista... ' Aí ele, ‘Não, vai lá, você vai ver', ai eu ‘Está bom'. Daí comecei a consultar outras pessoas e de repente... ‘Vai que eu tenho jeito mesmo'... E as pessoas me incentivaram. Ai eu fui, fiz um projeto, ele gostou e acabei entrando, aí eu fiquei trabalhando na Prefeitura, na assessoria de imprensa de medicina, já tinha a Natália que era pequena, a Rose já estava indo do mestrado para o doutorado e eu fazendo mestrado também... Então assim, a vida... Era estudar muito, não ver a família e basicamente é isso né. Aí eu terminei lá e já engatei o doutorado e desse meio período, o professor, saudoso José Marques de Melo, cresceu os olhos aí para o meu lado, assim, numa aula que eu dei meio diferentona, lembro até hoje, que era sobre a escola alemã de comunicação e ele perguntou ‘Aonde é que você dá aula?' e falei ‘Eu não dou aula... Quer dizer, eu dava aula de inglês há muito tempo, mas nada assim... ' ele ‘Ah, eu quero você lá na FIAM, você pode ir na sexta-feira?' e falei ‘Posso'. Aí na sexta eu fui lá e ele me apresentou para o Rodolfo ____, que era o âncora da cultura, era o diretor na época, ele e a Margarida _____. Aí ele falou ‘Olha, esse aqui é o Arquimedes, ele que vai pegar a vaga de assessoria de imprensa com 12 horas, e mês que vem... Ano que vem quero ele 40 horas aqui... ' E eu ficava olhando, assim, ‘Mas gente aonde é que eu vou enfiar tanta hora?' Eu tinha tanto emprego, né... Mas aí deu certo, fui me arranjando, pedi afastamento para cá e tal. E aí, falei ‘Olha, não tem jeito, o cavalo passou, eu montei em cima' e fui para a academia. Gostei, dei aula até... Ainda estou né, até 2021 eu estou nas aulas, né. Essa é minha vida, né. E aí depois, estando no doutorado você vira doutor, aquela chatice, aquela cobrança, aí entrei no PPGCOM em 2010 no lugar da Mônica e aí houve a cobrança do pós-doc. E aí a vida dá tantas voltas, fecha alguns ciclos, que o Marco lá, que foi aquele que falou ‘vai estudar', foi aquele que me orientou no pós-doc. e a gente encerrou um ciclo muito bacana. Assim, é uma pessoa que eu gosto muito, tenho muito carinho por ele, enfim... Acho que nada é por acaso, tem umas coisas que a gente não entende... Eu não sei de muita coisa, mas desconfio de muitas, eu acho que essa é uma das que deviam estar lá programada para mim, e é isso.


Pergunta:
Bom, então vamos voltar um pouquinho na sua infância agora...


Resposta:
Sim, vamos lá... É eu já vou indo para frente...


Pergunta:
É, fez a linha do tempo ai e foi legal, deixou marcado a sua trajetória... Bom, como era a escola em que você estudava? Era ali no Rudge? Porque você ficou no Rudge até os 18 anos... [10']


Resposta:
Na verdade, naquela época existia um negócio chamado parquinho ou pré-escola, só que minha mãe falou que não ia fazer porque ela não tinha dinheiro para pagar o uniforme e não tinha como me levar porque ela trabalhava... Então fiquei assim aguado, né, porque todo mundo sabia... Entrava quase que pré-letrado, já. Eu sabia escrever três palavras: amor, cão e sei lá, uma outra, o que fazer com três anos, né? Aí eu entrei no ____ Oliveira, com sete anos e eu usei a cartilha ‘Olha o patinho', não sei se você conhece, mas não era o Caminho Suave era uma mais moderna e meu pai me levava ou meu nono, porque era do outro lado da avenida, era perigoso atravessar, porque passava dois carros na via aqui, iam me atropelar, né. E fiquei lá até nove anos, ai o... ‘Notilho', era muito legal, tinha internet, tinha que cantar hino nacional e eu sei o hino de São Bernardo até hoje, não podia pisar na grama ou ia ficar de castigo, a minha professora do segundo ano dava beliscão, reguada, e eu acho até que falta um pouco disso ultimamente... [risos] Aí eu com nove anos... Tem quem construiu essa nova escola é Alcimira, né, que é o primeirão, Alcimira no ano em que eu me formei, virou Cimira... Quem morava para cá da avenida [sinaliza para a esquerda] estudava na nova escola. Aí eu mudei para lá na quarta série, que foi quando eu conheci Rose, minha esposa, né que... Estava na quarta série com 10 anos... E lá eu fiquei até a oitava, fechei em oitenta... Ai tentei estudar à noite em uma época, mas não deu certo porque eu achava meio barra pesada, voltei para poder trabalhar, mas aí falei ‘vou esperar acabar mesmo', com 14 anos. E aí depois eu fui para o CELGA, que é o Colégio Lauro Gomes, aqui no Rudge também e fiz mais três anos, mas é uma época... Essa época do colégio apaga... No ensino médio, eu acho que como todo mundo, não fez sentido nenhum, não trago amizade alguma, não tenho saudade nenhuma. Parece que eu perdi três anos na minha vida. Tive péssimos professores e dá para contar no dedo né... Foi um tempo perdido. E aí claro, né, eu estava entre história... Chegou à faculdade e eu queria fazer ou história ou jornalismo. O jornalismo por causa de uma série que tinha na Globo que chamava Plantão de polícia e o Hugo Carvana que era o jornalista e trabalhava em delegacia, aí eu falava ‘Quero ser igual a ele' e história porque eu adorava, adoro história, gosto de ler, gosto de coisa antiga... Eu ia muito bem às aulas de história, não anotava nada e tirava dez, o pessoal queria morrer, mas era muito fácil para mim essa disciplina. Já biologia, física... Esquece, eu não sei nada e nem quero. Aí eu prestei vestibular nos dois, na Metodista para jornalismo e na faculdade... FAI, atrás da igreja, prestei e passei nas duas, mas eu tinha certeza que era no Ipiranga e descobri que não, era no Campus Vila Mariana que tinha história, mas aí eu só tinha dinheiro para pagar um ônibus, eu não podia pegar um ônibus e um metrô, aí eu falei então eu vou a pé à Metodista mesmo, e fiz jornalismo porque eu ia a pé né, descia a minha rua e estava lá, então assim...


Pergunta:
Então onde... É como é que veio esse incentivo da sua família, que você falou que foi o único a ir para a faculdade... É o incentivo da sua família com base aos estudos ou o seu despertar, você...

Resposta:
Na verdade, na família era só jogar para trás, eu lembro que as referência do meu pai... Meu pai era semianalfabeto e minha mãe fez, acho que até a terceira, quarta série, então... Ela letreava, sabia escrever o nome, escrever letra... Minha mãe tem até um caderno com receita, mas é assim eu lembro que quando eu entrei na faculdade, quando pensei em entrar, meu irmão era dono de padaria, ele começou com 11 anos trabalhando como peão e tal, e tinha uma padaria. Então lembro até hoje a resposta do meu pai, ‘Para que faculdade? Teu irmão não estudou e tá rico. ' (...) Então, na verdade eu não sei... eu não gosto, eu tenho ódio de comércio, tenho uma aversão em ganhar dinheiro em cima das pessoas, eu não gosto disso, sempre achei que foi errado. Embora eu tivesse uma pizzaria com esse meu irmão por alguns anos, mas eu não me dou bem. Mas eu gostava muito de ler, eu era do tipo que devorava assim... Eu ia aqui à biblioteca do Rudge e eram três livros por semana, a mulher me indicava e eu... Então, meu ‘isso é um mundo, estudar é muito legal, eu quero aprender cada vez mais, eu não quero... ' Eu olhava assim... Eu não quero... Pô nasci para ser águia, eu não quero ser galinha e, sei lá as pessoas eram muito assim... ‘Ah, do jeito que está, está bom', falava ‘Não, não é isso que eu quero não'... No jornalismo, na época eu lembro que tinha uma matéria que chamava educação para o trabalho né, junto com OSPB, aquelas matérias que não existem mais. E uma das tarefas que uma professora deu, que eu já nem lembro quem era a professora, era assim ‘uma entrevista com um profissional que você gostaria de ser' e eu me lembro de que eu fui ao Diário do Grande ABC entrevistei um cara chamado Carlos Galli e era um sábado, era um dia sossegado, e ele me levou para conhecer a redação e, nossa! Era aquilo que eu queria né, aquele monte de máquina de escrever a gente ia aprendendo cada dia uma coisa nova... [15'] Hoje eu vou falar sobre saúde, amanhã vou falar sobre esporte... Era isso que eu queria. O mundo é muito grande, então eu acho que essa vontade de querer resposta para o que eu não sabia foi o que me levou a estudar... E nem foi dinheiro mesmo, porque ser jornalista não te faz ficar rico e ser professor de história... menos ainda [risos], então na verdade não era ganhar dinheiro, era ganhar conhecimento mesmo, eu queria saber, aprender, fazer alguma coisa que eu trabalhasse com a cabeça, eu não queria trabalhar com o corpo, eu não menosprezo quem o faça, acho que até ganha legal, mas não tenho perfil, ai eu fiz isso daí... Enfim.


Pergunta:
Você escrevia também? Gostava de escrever além de ler?


Resposta:
Ah, eu lembro que... Sim. Na época do... De adolescente, eu narrava os jogos de futebol dos meus amigos ali de frente ao paralelepípedo e depois fazia um jornalzinho, eu datilografava, eu recortava foto e colocava, dizendo como é que foi a cobertura do jogo... Eu tinha... Eu trabalhava muito na época com recorte e cola, de _______ e tal... Escrevia diários, essas coisas eu escrevia muito assim... E uma coisa que me ajudou para caramba, foi pen friends, correspondentes, eu lembro que quando eu tinha 13 anos, eu peguei um endereço de uma pessoa numa revista que chamava Clube do Mickey, era Regina _____, de uma cidade que chamava Estância Velha, no Rio grande do Sul, e eu falava ‘Nossa! Estância velha deve ser muito legal' e escrevi para ela, ela me respondeu e a gente é amigo até hoje. Ela está morando em Munique, na Alemanha, e há muito tempo que a gente é amigo, há muito tempo... Fui para lá várias vezes, ela veio para cá... E ela foi a primeira, depois eu tive 21 correspondentes, ai eu comecei a escrever em inglês, escrevia para vários países, em inglês, espanhol, para... Ai eu acho que foi a porta do mundo, né, falei ‘Olha, consigo me comunicar!'... Eu tenho todas as cartas delas aqui guardadas, todas arquivadas, bonitinhas... E eu acabei reencontrando pessoas aqui né... A Claudia _____, que é uma da Alemanha também, eu acabei reencontrando-a no Facebook, e a gente se reconectou... A minha amiga da Venezuela veio e morou aqui em casa por um tempo, que ela passou na UNICAMP... Então assim, viraram mais do que amigas, a própria Aurea, a prima dela, Virginia, foi madrinha de casamento da minha irmã, então... Escrever, o ato de escrever foi libertador, e trouxe muitas coisas interessantes para a minha vida, né... Saber que... De coisas diferentes né, do Japão... Ah, recebi tantos presentes do Japão, vinha... Nossa, eu gastei, gatava todo o meu dinheiro no correio.


Pergunta:
Conte-me como era esse mecanismo de correio, dessa época, do mecanismo de correspondência... Às vezes tem muita gente que não sabe [risos]


Resposta:
É então... Existia uma coisa chamada carta [risos]... Papel, selo... Então, a gente pegava... No caso dela, eu peguei o endereço dela e escrevia num papel, botava no envelope e mandava. E esse envelope demorava dois dias para chegar e ela demorava mais dois dias para responder e mais dois dias para chegar... Assim uma carta de semana a gente se... Já para o exterior, demorava de 7 a 15 dias para ir, 7 a 15 dias para voltar... E como as cartas eram e ainda são por peso, a gente começava a escrever em papel de pão, que é aquele bem fininho, papel vegetal, para caber mais, a gente às vezes escrevia quinze páginas e ela devolvia vinte... E sempre um postal, então era... Postal era uma delícia, mandar postal para ______, né... Então assim, mesmo sem você perceber, a carta tinha recorte... Aí depois ela chegou a mandar... Chamava... Ah, tinha um nome... É de cassete, você gravava um cassete, igual a gente está fazendo aqui, você gravava em um cassete, uma conversa, música e tal. E ela colocava em uma caixinha e mandava para mim e eu ouvia e ficava ‘Nossa!', porque a ligação era muito cara né e eu não tinha telefone, a gente sempre foi pobre, ai se quisesse falar tinha que ir ao orelhão, comprar aquela ficha de DDI, combinar o horário e ligar... Ai não dava né. Hoje a gente está aqui se falando com o outro lado do mundo né... E quem não passou perdeu, na verdade, eu acho que era muito mais legal... Era muito né... No Natal você fazia cartões e mandava né, era muito... Acho que mais pessoal. Hoje você manda um emoji e está tudo certo, virou uma bestialidade total. Então eu ia ao correio toda semana, eu fazia a alegria da mulher do correio e o cara mais aguardado da minha vida era o carteiro, que passava às 14h e eu sentava aqui na escada do terraço esperando e pensava ‘Ah, mas será que ele vai trazer da onde hoje?' e ele vinha e passava direto e eu ‘Aí não tem nada hoje'... E quando ele vinha, eu olhava o selo, cheirava a carta, abria, lia, relia... Era muito legal. Já pensava na resposta... Então isso era muito legal, e está tudo guardadinho aí, daí hoje a gente dá uma lida... Que na verdade eu queria ler aquilo que eu mandei não o que eu recebi, aí eu falei para ela, ‘Olha, quando você voltar para o Brasil... '- tá guardado na casa da mãe dela [20']- ‘Manda para mim tudo o que eu escrevi, porque dá para fazer um bom relatório de psicologia para explicar o porquê que eu sou assim hoje... [risos].


Pergunta:
Vai dar para ter uma noção da época, dos seus depoimentos, suas formas de contar... Vale a pena depois né... Somar... Quantos livros não saem de correspondências de ambos os lados, já pensou que legal.


Resposta:
Sim. Eu estou agora... Agora que terei mais tempo, eu vou digitalizar tudo que eu tenho aqui, eu já comprei o scanner para digitalizar e mandar uma cópia para ela na Alemanha e enquanto eu digitalizo, eu lembro, eu leio e aí eu sei, lendo aquilo que eu respondi, eu imagino aquilo que eu tinha recebido, então já vai dar para dar... Posso até criar uma personagem, que ela é uma personagem bem... Ela tem uma história bem diferente. Ela tem uma história bem diferente de... De problema de família, teve que ir embora do Brasil por causa disso, depois tem um reencontro... Igual a jornada do herói, sabe? Da para fazer com ela, bem legal.


Pergunta:
Olha aí quando projeto legal! E você falou que quando conheceu a Rose, você tinha 10 anos, foi na escola?


Resposta:
É, na quarta série, a gente estudou junto e...


Pergunta:
Estudaram sempre juntos? Até a faculdade, lógico.


Resposta:
Não... Não, a gente ficou da quarta a oitava série, mas a gente nem era assim do mesmo grupo, eventualmente fazíamos trabalho, mas a Rose era mais quietinha e eu era de outra turma e tal. A gente era amigo e se gostava muito, eu ia à casa dela, às vezes ela ia à minha casa, pegava chuchu do quintal e levava para a mãe dela, eu conhecia a família dela... Então era tipo um melhor amigo, isso até... Até terminar o ginásio. Aí no colégio eu fui para a noite porque tinha que trabalhar, e ela foi fazer no CELGA também, mas de dia. E a gente acabou se reencontrando mais por causa de encontro de jovens da igreja, que eu desde 1982 participo do encontro com Cristo aqui da igreja católica. E aí tinha aqueles encontros que você chamava todo mundo e ia lá para uma casa em São José, e tinha várias palestras lá, que você voltava convertido, e várias coisas que faziam sentido antigamente. Aí eu a chamei e a irmã dela, a Cristiane, para fazer o encontro. E depois do encontro tinha reunião todo o sábado aqui na igreja antes da missa, então se aproximava. Ai depois da missa a gente saia, ia à casa de um tocar violão, comer pipoca, rachar uma pizza. Aí a gente voltou a ter mais contato nesta época, até que com 18 anos a gente falou ‘Ah, vamos namorar né', mas a gente estava com medo né, ‘Vai que eu namoro e perco a amizade', mas a gente começou a namorar com 18 anos. E quando eu cheguei para falar com meu sogro e minha sogra, que tinha que pedir a mão em namoro, avisar que estamos namorando, minha sogra estava até com o braço quebrado, engessado, e o bração deste tamanho [faz um sinal de grande] e eu falei ‘Nossa... Vai arrancar minha cabeça' e eles falaram ‘Ué? Só vocês dois não sabiam que vocês estavam namorando, todo mundo já sabia que vocês estavam namorando. ' [risos] ‘Ah, então tá bom. ' E começamos, com 18 anos na verdade, começamos a namorar e depois de quatro anos a gente casou, e estamos juntos há 32 anos... De casado.


Pergunta:
Só de casado são 32 anos, fora o...


Resposta:
Fora o que a gente... É mais de quarenta... E é legal porque assim, os amigos são em comum, né, a maioria... É claro que quando ela foi fazer biologia, ela teve os amigos da biologia, e quando eu fui fazer jornalismo, tive os amigos do jornalismo, então alguns não são em comum. Mas a maioria, por exemplo, do encontro de jovens, foram para o encontro de casais, a própria irmã dela, que quando a gente começou a namorar eu tinha 18 e ela tinha 14 anos, e ela literalmente ia para o banco de trás da minha Brasília segurando uma vela acesa, ela acendia a vela e ia segurando a vela, ai a gente falava ‘precisamos arrumar alguém para desencalhar ela' [risos].


Pergunta:
Alguém para _______


Reposta:
É. Ai eu fiquei pensando... Aí tinha o Bil, que era um amigo que namorava uma menina da minha rua e tinha desistido dela, e falei para a Rose: ‘Olha vou falar par ao Bil que a Cris está afim dele e você fala para a Cris que ele está afim dela', mas eles nem tinham se ligado, mas ai quando eu falei, ele falou: ‘Nossa, nunca percebi... ' e eu falei: ‘Nossa, ela está doidona... ', e ai a Rose falava... Aí eu lembro que teve o baile de formatura lá no Atlético Ipiranga e a gente ganhou quatro convites e levamos os dois, era uma sexta-feira 13 inclusive. Aí a gente olhava os dois e nada... Aí quando deu meia noite, os dois estavam no maior amasso lá, porque falavam que dava azar sexta-feira 13, ai começaram a namorar no ‘sábado 14'... Ué, namoraram, viraram nossos padrinhos de casamento, casaram, a gente virou padrinho de casamento deles e estão juntos até hoje também. Então assim, fizemos a nossa parte e nos livramos da vela, isso é importante. [risos]


Pergunta:
Essa é a Isabel? Não, né...


Resposta:
Não, essa é a irmã da Rose, a Cristiane.


Pergunta:
Ah, exatamente!


Resposta:
Isabel é minha irmã.


Pergunta:
E sua família era... Sua mãe era muito religiosa? Exigia de vocês frequência na igreja? Tinha algum lugar na casa, alguma coisa assim ou não?


Resposta:
Não, a minha avó era, [25'] porque eu lembro que toda 18h da tarde eu tinha que ouvir o terço do padre Donizzete, com copo de água na frente do rádio e todos os netos tinham que ir beber lá. A nona era. Eu ia à missa com ela e com meu pai. Meu pai ia todo domingo na missa, minha mãe não... Minha mãe até era, mas nem ligava muito. Mas meu pai sim era filho de Maria, aquelas coisas que tinham lá né, mas era um barato, meu pai era uma figura muito estranho, do tipo vai à missa e volta falando assim ‘AH! Aonde já se viu ter que dar a mão para rezar o Pai Nosso, vai que tem um inimigo ao meu lado' [risos] ‘Pai, mas se tem um inimigo ele não devia estar na igreja' [risos] Ele era muito assim...


Pergunta:
Seu pai já era um percursor do Covid. [risos]


Resposta:
É, pois é, mas ele era muito assim, ele tinha umas coisas que não se explicava coisa do tipo... Não gostava de mulher que usava calça, nem pensar para ele, padre de bigode, gente que fuma... Então assim eu lembro que a minha mãe só passou a usar calça bem para frente, mais ainda era uma calça com uma saia em cima, porque meu pai não podia deixar a mulher dele usar calças. Umas ideias de jerico assim, tadinho.


Pergunta:
É ideia da época né?


Resposta:
É.


Pergunta:
Bom, e ai você foi terminar o colégio e logo já foi procurar faculdade de jornalismo e história?


Resposta:
É eu entrei com 17 anos na faculdade e terminei com 21, fui bem precoce mesmo.


Pergunta:
Era difícil entrar na faculdade no sentido de concorrência e tudo?


Resposta:
Sim, tanto que assim, no segundo ano do colégio eu fui ‘treineiro', ai passei em nono lugar, mas a lista era normalmente de sete por um, oito por um... A Metodista era e sempre foi muito bem cotada na comunicação, porque tinham poucos cursos de jornalismo e a maioria que saia formada já saia empregado, porque as dissertações demandavam muito, eram máquinas de escrever, não tinha internet e eles precisavam de muita gente para gerar muita notícia, e os jornais eram uns ‘catataus' assim, então eu entrei com 17 anos, porque no ano seguinte eu já... Quando estava para valer mesmo, agora é vestibular para valer, a minha posição caiu para décimo quarto, então assim... Eu acho que estava ótimo na época né, porque eu sempre estudei em escola pública, nunca fiz cursinho nem nada. E eu queria aqui mesmo, não tinha aquele negócio de ‘Ah, tem que ser na USP', não estou nem ai para a USP, nem gosto da USP, quando vou lá acho aquilo uma decadência, pessoal chato... Até estudei lá durante uma época, fiquei um ano fazendo curso de especialização em divulgação científica, mas coincidiu com a minha entrada para o mestrado, então acabei largando, porque era longe para caramba, tinha que estacionar, ah... Eu não gosto da USP, toda vez que vou à USP eu volto meio ‘deprê', acho que aquilo está muito decadente, enfim não curti não. Mas a Metodista é a Metodista, era a minha segunda casa.


Pergunta:
Conta como foram esses anos de faculdade.


Resposta:
Era uma época que... As nossas salas eram grandes, tinham 80 alunos, 60 ou 80 alunos, podia-se fumar na sala, que era horrível, eu tinha que tomar banho para ir e tomar banho para voltar porque voltava defumado, você não via ninguém chegando ou sem um jornal, ou sem um livro debaixo do braço, a gente era muito porreta, a gente estudava, a gente consumia informação. Existia uma formação extremamente de esquerda, professores que hoje se encaixariam no PSOL, sabe... Tanto que a primeira ação que eu tive quando entrei foi a de invadir a reitoria, eu nem sei até hoje o porquê, mas entramos lá, invadimos e o pessoal dormiu e tal, depois ficamos sabendo que era por causa de um cara que virou vereador do PT depois, que estava fazendo todo um esquema... Como a gente era idiota naquela época, e continua sendo né, mas para mim era muito legal, você abria os olhos para umas coisas assim... Eu lia muita coisa bacana, eu lia Paulo Freire, a gente fazia uns trabalhos muito doidos do tipo, um grupo levava prostituta para dar entrevista, levamos Raí ______, fizemos umas coisas na área de psicologia, por exemplo, eu fui com a Regiane, a que o pessoal conhece ai, seus amigos, a gente foi fazer um trabalho de psicologia em um asilo no Riacho Grande no Natal, que foi uma coisa que me marcou muito, tanto que eu nunca mais entrei em um asilo, não gosto de Natal até hoje, então foi uma coisa pesada assim... Mas muda você como pessoa, você consegue ver, né... E muito trabalho prático, a gente escrevia para caramba e é um perfil totalmente diferente do que a gente vê hoje, por isso eu estou meio desgostoso, porque antes a gente se envolvia. A gente não podia errar, não tem isso de ‘Ah, não gostei, vou fazer gastronomia agora', não, eu tinha dinheiro para pagar uma coisa que eu tinha que virar profissional, ponto. E se eu não gostasse, dane-se, tinha que fazer jornalismo do mesmo jeito, era o que tinha para hoje, então já que eu estava lá, eu me dedicava mesmo, fazia bons trabalhos e gostei bastante. Mas era muito imaturo né Priscila, eu acho que jornalismo, para quem faz como primeira faculdade, eu não indicaria para ninguém hoje, olhando para trás. [30'] Eu podia ter feito história, direito, economia, qualquer coisa para depois fazer jornalismo, porque o jornalismo eu acho que tem que ser uma coisa que complementa então eu saí muito cru de lá, mas foi muito legal, e só não está na área, ou só não foi para a área quem não quis, porque oferta tinha na época, hoje é ao contrário, hoje é mais difícil, porque emprego é uma coisa que não existe, na época tinha muito e faltava gente, e as pessoas eram mais unidas né, sei lá, a gente se reunia de final de semana, hoje é diferente, acho que o envolvimento, o sentimento de pertencimento a algum grupo... Acho que também isso é uma coisa que fala muito alto para mim né, porque foi a minha graduação, as minhas duas pós-graduações, na verdade, olhando para trás, quando a Metodista estava sendo construída, que era uma faculdade de teologia, a minha mãe atravessava toda a Metodista que era um pasto cheio de vaca para buscar roupa das pessoas que ela lavava em casa... Então assim, o DNA da Metodista ficou no sangue, infelizmente aconteceu o que aconteceu, mas foi muito legal.


Pergunta:
Há alguns professores marcantes que você lembre, ou queira contar de algum episódio?
Resposta:
Ah... A gente tinha uns professores bons para caramba e aqueles que não eram tão bons, né, por exemplo, as aulas de filosofia... Eram horríveis, então assim... Eu me lembro de uma lá, por exemplo, que o professor só deixava entrar se a gente lesse e fizesse um fichamento, mas de uns textos que eu não conseguia... Eu não tinha lido, sinceramente, aquele livro A Ideologia de Marilena Chauí, eu lembro que li três vezes e não entendi nada e continuo não entendendo, entendeu? Então, assim, não assiste e só pode entrar quem assistir, então uma sala de 80 alunos, ficava com apenas sete. Eu ia para casa assistir Roque Santeiro que era muito mias legal, ou então... Nossa! Eu adorei aquela novela... Ou então eu ia para o camelão comer esfiha na área aberta. Então tinham aulas muito legais, que eram práticas... O professor para Luís Roberto Alves, as aulas deles foram, assim... Muito legais. Eram aulas de Língua Portuguesa de fachada porque o que a gente aprendeu, assim... De leitura de cenário, muito bacanas e as aulas práticas, né, as aulas práticas de rádio, eram com o André Barbosa, que hoje está lá na CECOM e é meu amigo até hoje... Eram umas aulas muito legais, tanto de rádio e... TV nem tanto, porque... Mas rádio e jornal eram bem bacanas.


Pergunta:
E o maquinário que vocês usavam como era?


Resposta:
Ah, máquina de escrever, Hamilton deste tamanho [sinaliza com as mãos o tamanho da máquina] que a gente datilografava... E ai a gente vê que nada muda só se transforma. Por exemplo, a gente reclamava que não tinha... Mais para frente, quando era computador, você reclama que não tinha a tinta na impressora, naquela época a fita era apagada, então a gente virava o lado vermelho quando o preto não dava mais certo para datilografar, então tinha as laudas, que eram... As laudas de TV eram de um jeito, de rádio era outro e para a escrita era outro. Então, tinha que ter 70 ______ e 20 linhas e era uma lauda, então você calculava e usava um negócio chamado régua de paicas, que serviam para calcular quanto que a aquilo iria virar na hora de gramar, e quem dava aula para mim disso era o Gino, depois fomos trabalhar juntos... Então era outra coisa, até você fazer... Eu fiz filmes super oito, para você ter uma ideia e foi lá no rio de Janeiro porque em São Paulo não tinha mais. Quando chegou o videocassete a gente achou o máximo, já pensou grava aquele negócio... E videocassete era uma coisa top de linha, tanto que quando a gente casou, eu falei para a Rose ‘Ah, a gente vai fazer vídeo? Porque a gente não vai ter nunca dinheiro para comprar o vídeo', e hoje os vídeos nem existem mais né... Mas era outro tipo de maquinário, eu literalmente fazia foto e revelava foto, pegava papel, via nascer à imagem, era uma coisa maravilhosa, não era um click, olho, não gostei e apaguei, não, tinha todo um... E acho que é até por isso que os jovens hoje são tão acelerados, porque existia um processo, você tinha que fazer um jornal e começava pela pauta, ia buscar informação, datilografava e o professor rasgava tudo, você refazia, tentava fazer o boneco e ‘ah estourou o tamanho', corta o texto, aprendia a escrever texto pronominal, corta pelo pé, a foto... Você tem que fazer a foto, revelar a foto, esperar a foto secar, escolher a foto... Então assim, demorava, mas você entendia, não é um click e acabou, mais um. Não... Quando saia era aquele filho querido que nasceu, ‘Olha! Meu Deus'... Eu me lembro de uma matéria que eu fiz junto com a Denise _____ que foi diretora da Metodista, na pracinha dos Meninos que é aonde eu ando a tarde com a minha mulher, ela é caída para trás, o gramado né, e tinha uma porta que ligava a pracinha com um lugar que era... Digamos assim... Um puteiro chique, e os casais economizavam com o motel indo para lá. [35'] Então rolava ali mesmo na grama. Eu fui a noite, eu e ela, a Denise, e ai a gente fez uma foto dos casais deitados e quando bateu o flash eles saíram correndo atrás da gente, a gente entrou no fusca e... Ai na semana seguinte eu fiz uma matéria assim ‘O outro lado da praça das noivas' e foi capa! Nossa! Todo mundo leu, achou um máximo e daí acabou e fecharam a porta, foi um jornalismo intervenção. [risos] Então, nossa era muito legal, você se sentia... Por isso que eu gosto tanto do bairro né, o jornal era focado no bairro, e eu chegava à reunião de pauta e falava ‘Olha, entrevista tal pessoa que benze, naquela casa tem um poço... ' e ‘como é que você sabe?', ‘ué, eu moro aqui, eu ando aqui. ' Então as pessoas não... A maioria vinha de outros lugares... ‘O que é o Rudge?', ‘Rudge é o lugar que tem a Metodista, mas não sei o que acontece aqui'. Então se o jornal é sobre o Rudge e para o Rudge, você tem que fazer notícias que tenham a ver, e eles então me chamavam ‘Ou, me da uma sugestão de pauta?', acho que comecei por ai a ser um bom pauteiro, saíram boas matérias. E a família toda ficava toda... Viam meu nome ali e ficavam ‘Olha!', ficavam todos felizes.


Pergunta:
E rádio, equipamento, essas coisas, só na faculdade?


Resposta:
Ah, só. De rádio era aqueles... Você saía com gravador de... Usava aqui [aponta para o braço], né, microfone e ficava ruim para caramba e tal, e só o editor que mexia a gente só fazia a parte bruta, mas nós não operávamos diferente de hoje. Então... Mas lembro de que não tinha nem TCC, na verdade não tinha nem esse nome, mas eu lembro que a gente chegou a fazer um programa de rádio muito... Para a gente era muito legal, chamava ‘Conversando em Verso de Prosa', era um programa de rádio sobre literatura. Eu, Taís ____ e Marcia _____ da cultura, e aí eu não esqueço até hoje do comentário da professora, né que a gente... Começa com uma música assim... Acho que foi o palhaço do _______, a gente fala de dicas... E aí, a gente achou lindo e eu tenho gravado até hoje, que eu consegui transformar em MP3 e a professora falou assim ‘Quando a gente fala para vocês ousarem, vocês fazem a mesma coisa que tem na Rádio Eldorado, vocês tinham que fazer alguma coisa diferente... ' Eu entendo, hoje eu entendo, mas naquela época tipo assim ‘aí teu filho é tão feio, é zarolho, não tem um olho...' Sabe aquelas coisas assim? ‘Pô, mas foi tão legal, a gente gostou... ' Mas, ah, e ela falou assim... Por isso que eu falo muito para os meus alunos, pelo menos falava enquanto dava aula, que o momento de ousar é na faculdade, aqui você pode fazer um texto diferentão, você pode esquecer a ditadura do lide, vai com o nariz de cera, abre diferente, entrevista gente... Vai entrevistar o mendigo que está sentado ali, você nunca sabe a história que tem por trás dele, que pode ser uma puta história, e ah, não, o cara vem no CTRL C + CTRL V e monta um textinho, e ‘O que te acrescentou na vida?', tem que ser coisas diferentes né, porque quando você chega lá no mercado, você vai fazer mais do mesmo. Você vai entrar no Diário do Grande ABC e é lide ou então cozinha esse release aqui e faz alguma coisa. Mas a história que você gostaria de fazer tem que ser aqui, e o que eu quero avaliar? O teu texto. E alguns alunos entendem e hoje eles me falam ‘Nossa, professor, lembro até hoje... ' Quando eu dei aula na FIAM, lembro que eu falava para os alunos que eles tinham que entrevistar a pessoa mais antiga da família e levantar a história, você vai gostar disso ai [diz, se referindo a entrevistadora], e eu me lembro de que anos depois os alunos diziam ‘Nossa, professor, agradeço-te até hoje porque eu nunca tinha conversado com a minha avó direito', um deles é o Alexandre Lozetti, que hoje é âncora da Globo na área de esportes, que eu ajudei com o TCC, lembro até hoje o nome da avó dele, dona Neuza, e a gente colocou tudo lá na internet, a família ficou super emocionada quando se viu o personagem e eu falei ‘Gente, olha a história que está na sua casa e você não sabe'... Isso é legal, né, um jornalismo que transforma.


Pergunta:
Meu microfone não abre, bem na hora que eu ia fazer a pergunta... Vamos voltar agora um pouquinho para os seus trabalhos antes, enquanto você estudava, conta de novo do banco Mitsubishi e dos colchões Trorion.


Resposta:
Ah, o banco Mitsubishi foi um emprego que um amigo meu me arrumou na verdade, porque o gerente de lá era do encontro de jovens, e ai então acabou me colocando, mas foi um emprego que eu odiei, desde o primeiro que eu entrei, até o último dia que eu saí, porque era muito mecânico, eram todos japoneses quase, nós éramos em 17 funcionários, 3 ____ e o resto japonês. Eles só falavam japonês, você atendia ao telefone em japonês... A gente só podia almoçar quando o ____ deixava a gente ir comer, às vezes eu almoçava 16h da tarde, tinha que levar marmita, tomar ônibus, eu chegava atrasado à faculdade, porque não batia o caixa tal e eu não podia sair... Então, assim, era quase um trabalho semiescravo e eu falei ‘Não, não quero isso, vou para a minha casa. ' [40'] Tanto que eu peguei uma birra de japonês naquela época, falei ‘Credo, esses caras são todos malucos' ai eu pedi a demissão com sete meses e fui para a Trorion. E lá na Trorion eu comecei num ativo fixo, que era um ramo da contabilidade, e justamente o meu chefe era um japonês, o _________, nossa, um cara muito querido, ele morreu assassinado inclusive, foi uma perda, né... Aí eu tirei a pecha com japonês, passou a história, enfim ai lá eu trabalhei... A Trorion era uma espécie de segunda casa para mim, as pessoas eram muito legais, a gente... Nossa, eu fazia o jornalzinho, né, do grêmio, então entrevistava todo mundo, saía impresso e ficava muito legal. Eu lembro que uma das matérias que foi para o mês de maio, eu levantei onde todos os casais da Trorion se conheceram e consegui fotos deles de noivos, nossa! Bombou aquilo lá, todo mundo queria para andar para a família. Então era um negócio que, além de eu trabalhar... Claro que na contabilidade eu não curtia muito porque eram números, mas aí eu comecei a migrar para outras áreas da Trorion. Teve o plano cruzado, acho que foi. Que faltou um monte mão de obra, as empresas não tinha mão de obra, eram muitos empregos e pouca gente, então eles resolveram trabalhar na questão de tempos e métodos, ‘Quanto tempo demora a fazer um colchão?', ‘Quanto tempo demora... ' Eles não tinham noção. E ai resolveram capacitar três pessoas para fazer o curso de tempos e métodos, para chegar lá e cronometrar tudo, e eu me candidatei, porque o salário era quase que o dobro do que eu ganhava, aí fiz o curso e fui para a fábrica. Ali foi legal porque eu conheci toda a peãozada, então eu era alguém do escritório, conhecido no escritório, e era alguém conhecido na fábrica, então para fazer o jornalzinho, ali tinham coisas que eu captava em tudo, era muito legal. Tanto que quando eu casei, eu estava lá e tive duas listas, passaram duas listas dando dinheiro para mim, uma do escritório e uma da fábrica [risos]... Para mim foi ótimo, tenho presentes até hoje que ganhei deles lá, foi muito legal, porque eu era querido em ambos os lados. E aí eu fiquei na Trorion, nesta área de lá, aí começou a cair à produção e eu acabei migrando para a área de recursos humanos, fazendo a carga e os salários, que eu também não gostava porque mexia com números, mas era uma coisa assim para não ser mandado embora, ‘fica ai porque você é amigo do gerente e faz jornal para... ' Entendeu? E aí quando eu voltei do casamento, eles acharam ‘Olha, você tem o perfil para o marketing, você vai lá para o marketing... ' Então eu cuidava de propaganda, na área de propaganda, que eu não achava muito legal também não, mas enfim, era o que tinha para hoje e pelo menos eu ia trabalhar em feira do Anhembi, essas coisa que me faziam sair um pouco de lá, né. Mas ai neste meio tempo eu tinha prestado concurso lá em Santo André para a prefeitura, já estava casado, morava aqui, em 1991, e aí me chamaram para trabalhar na prefeitura, me falaram para trabalhar meio período e eu lembro que na época o salário era U$ 1.000, dolarizando né, na Trorion eu ganha U$ 600 e lá eu ia ganhar U$ 1.000 para trabalhar só 06h por dia, que era das 08h ás 14h e por mim achava... E era o que? Ler jornal, gente... Eu fazia clipe, lia jornal, colava, tirava xérox, arrumava... Gente? Ganhar dinheiro para isso? Que coisa... E a primeira gestão do Celso Daniel foi muito boa, era gente extremamente competente, acreditando no que fazia, fazendo por amor e querendo mudar todo o paradigma. E realmente foi, né. Então... Aí eu acabei ficando locado na SECE, aquela Secretária de Educação, Cultura e Esportes, eu trabalhava direto com o Celso Frateschi, que você deve conhecer, ele é ator... Então eu cuidava de cultura, de esporte e de educação, que é uma área que eu gostava muito, e ai foi muito bom, foi bem legal. E aí saiu o Celso Daniel e entrou o Brandão, ai você fica lá... Você fica, digamos, ensacando neblina em Paranapiacaba, que o pessoal falava, porque você é petista, eu entrei na gestão do PT, então eu era petista, embora não fosse. Até o Brandão ganhar confiança, ai ele descobriu que eu era só um funcionário público e acabei ficando, só que eles estavam querendo pegar o primeiro que passou no concurso, eles demitiram todos, eles anularam o concurso, mas isso depois da fase que eu já estava com estabilidade e tal, e eu lembro que a Rose estava grávida na época e o Joaquim ____ que era meu chefe e chamou e perguntou ‘Arquimedes, você tem muita dívida?', falei ‘não', ‘Então fica esperto que você vai ser mandado embora, você e todos os outros, porque o Brandão quer queimar fulano de tal... ', ‘Tá bom, ok. ' Aí... Mas o Brandão gostava de mim, falava ‘Ou filho vem cá', ai ele me levava... O mundo caindo, todo mundo querendo falar com ele, e ele ‘Vem cá filho, senta aí, vou ler para você um poema agora... ' Aí ele pegava e eu... Ah! Era muito louco aquele veio, me contava histórias da borda da mata, e eu... ‘Vou ficar aqui né'. Ele gostava de mim. Aí o Joaquim falou ‘Olha, o Brandão perguntou se você não quer ficar como comissionado, já que ele vai mandar todo mundo embora, alguém tem que ficar para atender ao telefone' [45'], e eu falei ‘Ah, está bom, se isso não me impedir de processá-lo, porque eu vou processar, já que eu fui injustiçado', e ele ‘Não, não, de boas'. Aí eu saí pelo concurso, entrei com um mandato e seis meses depois fui readmitido. Aí quando saiu o Brandão, voltou o Celso Daniel e ai eu era o da direita, né, porque eu trabalhei com o Brandão, então eu ficava lá no limbo. Aí me mandaram para a saúde, uma coisa que eu não queria, eu queria ir para a educação, odeio médio, não queria trabalhar com médico, ‘Não, você vai', ‘ok, eu vou'. Mas ai trabalhei com o Homero que deu super certo, e a saúde acabou que foi o cavalo que... Coincidiu com meu projeto de pesquisa, abriu minha porta para a Fundação do ABC, na Medicina ABC, então eu acho que indiretamente as coisas deram certo. E aí quando saiu... Quando morreu o Celso, acho, eu nem estava aqui, eu estava licenciado pelo mestrado, e aí quando eu voltei novamente já era o Avamileno, mas aí já não tinha clima mais, o partido já tinha se vendido totalmente, você já via na cara dura... Tanto que, eu não sei se cheguei a comentar, o estagiário virou o meu chefe, porque o pai dele era um vereador ligado ao partido tal... Falei ‘Ah, não, gente, não quero, isso aqui não rola mais não', ai já estava desgostoso, eu já estava no mestrado, doutorado, já estava guinando, saindo dessa área, já não olhava mais assim para o funcionário público, como carreira. Aí quando eu tive a lesão medular em 2009, fiquei afastado dois anos e quando tinha que voltar, eu pensei e ‘ah, eu não quero isso para a minha vida não... ' Eu lembro que na época havia o cálculo da aposentadoria, se eu ficasse mais sete anos eu conseguiria ter duas aposentadorias, uma pelo INSS e outra pela prefeitura, e eu falava ‘Mas eu não vou viver até lá, porque eu vou morrer antes, se eu continuar aqui eu vou morrer'. Eu lembro quando estive em Auchwits, a energia do local era menos negativa que a do paço municipal, eu entrava no paço e falava ‘Não, não quero, me faz mal, quero ir embora daqui', ai conversei com a Rose e ela ‘Ah, mas você vai abrir mão?', ‘vou', ‘então abre', e aí pedi exoneração. Tenho meus amigos lá, mas não é a vida que eu queira para mim, eu dizia ‘Não tem meritocracia aqui, nunca. ' Você podia ser o. E o fato de eu chegar com mestrado e doutorado, eu ficava na mira, ‘Esse cara pode roubar... ' Como se eu quisesse, né? ‘Ah, sabe de uma coisa? Vou para a academia, já que me levaram para lá... ' Aí ficou a academia.


Pergunta:
Antes de a gente ir para a academia, eu me lembro de você... Você sempre conta para os alunos que o caso mais difícil como profissional da assessoria de imprensa foi a história da Eloá, né?


Reposta:
É esse foi... Até saiu... Coloquei lá essa semana, no Facebook, que foi um objeto de TCC da FIAM, que uma ex-aluna minha, que hoje é professora, acabou me chamando para dar entrevista sobre a violência na mídia.


Pergunta:
O que foi trabalhar como assessor de imprensa naquele momento/ Acho que isso que é legal para a gente deixar.


Resposta:
É, então, para quem não o tem, o caso aconteceu... Não me lembro em que ano exatamente, mas assim, foi o sequestro com maior duração da história que aconteceu. Então existia uma menina chamada Eloá, que era amiga de outra chamada Nayara, e tinha um namorado que eu não me recordo o nome, que acabou entrando no apartamento deles, eles moravam aqui em um lugar bem na periferia de Santo André, foi em um hiato de uma eleição, assim, do segundo turno de uma eleição municipal, disputada pelo PTDB e, na época, o Aidan, que faleceu há pouco tempo, e o Siraque, que provavelmente seria o vencedor, que era o indicado pelo Avamileno.


Pergunta:
Isso que eu ia perguntar, se o prefeito da época era o Avamileno.


Resposta:
É o Avamileno, que já tinha rachado com todo mundo, houve uma... Porque na verdade o Siraque não era o candidato dele, era outra pessoa, enfim, teve um ‘boom' lá no PT, que não vem ao caso, mas enfim, era justamente neste período de outubro. Aí me lembro de que o cara sequestrou a menina, entrou lá e não queria largar e tal e eu escutava... Isso eu acho que foi numa quinta-feira que ele entrou e nada, e eu ficava ouvindo pela rádio... Aí eu era da saúde e queria ir embora para Itapetininga com a família, passear lá no meu sítio, ai falei com a doutora Rosa na época, e falei ‘Rosa, posso ir embora? Porque esse negócio aí vai dar ruim né', e ela falou ‘Não, ou o cara vai se matar ou vai liberar, pode ir', e ok, coloquei a família no carro, o cachorro e fui embora, 300 quilômetros lá para o interior. E lá não pega nada de sinal de celular, na época não pegava nada e tal, e aí eu me lembro de que no sábado eu liguei a televisão, ‘televizinho' né, porque eu fui ao meu tio, e vi o Avamileno dando entrevista, o pessoal falando, minha chefe lá enlouquecendo, falando... E eu fiquei ‘Gente, mas o que aconteceu?' E aí eu descobri que o rapaz deu um tiro na menina, nas duas na verdade, a Eloá, que era a namorada, tomou um tiro na cabeça e a outra, um tirou na boca, e ele foi preso. [50'] Aí eu fui lá perto da arvore que pegava sinal e tinha quinhentos recados delas falando ‘VOLTA!', aí pega toda a família e volta tudo para lá. Foi justamente assim, a Eloá foi baleada, as duas né, as duas menores de idade, o cara preso, pano de fundo, a história era: o cara deu um tiro nelas porque estouraram a porta, a polícia estourou a porta, ou a polícia estourou a porta porque ele deu um tiro nelas, dependendo da versão que uma das duas falasse, caia todo o staff da segurança pública estadual. Então existia uma briga entre o estado e o município. O Serra era o governador da época, então à noite ele foi lá para tirar as meninas que estavam internadas lá, para levar ao Mario Covas, porque o Mario Covas é estadual, e você podia dar um, né... Aí eu lembro que o Homero falou ‘ok', Homero era o secretário de saúde da época, falou ‘Olha, assina um termo aqui de responsabilidade, se ela morrer daqui para lá, ou morrer lá, o problema é seu. Até porque lá não tem buco-maxilo e aqui tem', porque lá era referência e a menina que tomou um tiro na boca precisava. Aí eles pensaram bem e falaram ‘é melhor ficar aqui', mas assim, era uma pressão absurda, porque começou a ter fogo amigo, gente que trabalhava no hospital querendo vazar imagens, gente que trabalhava junto e passava coisa por fora, a gente tirando louco o tempo todo de dentro... Então assim [faz um gesto simbolizando um terremoto]... Descobriram toda a mídia fazendo o que a gente chama de "novelização" da notícia, aquela Sônia Abrão conseguindo entrevistar o cara durante o assalto... Enfim, ai descobriram que o pai da menina que estava aqui era um fugitivo de Alagoas, enfim, foi um inferno basicamente, a equipe era pequena, a gente trabalhava muito tempo lá, a gente tinha todos os jornais do Brasil e do mundo, tinha até a CNN cobrindo lá o desfecho, até que a menina morreu, a Eloá morreu, e aí houve o efeito Eloá que foi um negócio legal da doação de órgãos, aquele ano foi o ano em que mais teve doação de órgãos, rolou o enterro, então parte da mídia foi atrás dela, o outro foi preso e ficou a menina, a Nayara, e eles não queriam que fosse acontecer a oitiva dela lá, e acabou a menina dando depoimento dizendo que eles realmente estouraram a porta por que... O cara deu o tiro porque a polícia estourou a porta, então assim... Só que assim, o grau máximo de pressão entre nós...


Pergunta:
O grau para chega nisso né...


Resposta:
É, porque a gente não podia...


Pergunta:
__________________ nesta situação.


Resposta:
É porque entre nós, enquanto acontecia, a gente estava... Não tinha manual de crise, a gente foi construindo entendeu, ‘olha, eu acho... ' ‘Vamos dividir... ' Eu e o Sérgio Correa, que foi depois meu aluno na PPGCOM, ficávamos um embaixo e outro em cima, a gente dividia, mas a gente já estava cansado, a gente estava trabalhando por 24h, todo dia. Quando aconteceu a reunião de avaliação aí a casa caiu, porque um acusou o outro de estar aparecendo na imagem da TV, o outro de vazar... Então sabe, implodiu. Aí eu olhava, porque houve uma coisa que foi muito chato, uma ex-aluna minha da FIAM, tentou se fazer como... Auxiliar do advogado da menina lá e entrou com uma câmera escondida, e ela era da Record, e o pessoal da Globo... Eu já tinha flagrado o cara da Globo e coloquei-o para fora, o pessoal da Globo ligou para tirar a menina, ai eu falei ‘Puxa... ' Como professor, né, ‘Olha o que eu estou formando... Estou formando gente sem caráter, fazendo coisas... ' Então, sabe, eu quase pensei em parar, falei ‘Olha, internamente, isso não vale mais nada para mim, esse cara que sabe menos que eu, ganha mais que eu' e de fora ‘O que eu estou formando?', aí eu fiquei meio "zoado", mas enfim, passou. Deu para virar um artigo depois, depois virou um artigo. [risos]


Pergunta:
Ah, isso é bom. E antes, como foi trabalhar no primeiro mandato do Celso Daniel, ou algo que você tem de recordação do Celso Daniel...


Resposta:
Dele, pessoalmente...


Pergunta:
Quais projetos que ele tinha para Santo André?


Resposta:
É, ele como pessoa não era uma pessoa... Digamos assim, simpática. Ele era um cara muito fechado, não sei se era tímido e tal. E a gente era a plebe né, terceiro escalão, porque se a gente não era comissionado, a gente não era de confiança, então às vezes nem as reuniões da equipe a gente podia participar, ‘vai lá para você cortar papel e colar jornal', era o que você fazia. Mas assim, os projetos eram muito legais, eu me lembro de que até o logo era "Direito à cidade", então a cidade voltou a ser do povo. Foram 30 centros comunitários que ficavam abertos para a população ir, participação na área do... O teatro do oprimido rolando solto na época do Boal, uma coisa totalmente diferente... [55'] Tinha muita coisa boa. Eu lembro que eu fiz assessoria de imprensa para o Cacá Rosset quando ele veio estrear no Brasil, em Santo André, o Sonho de uma Noite de Verão, então consegui espaço no programa do Jô Soares, fazendo marketing de produto bom, e você via que as pessoas trabalhavam por amor, porque acreditavam em uma causa, digamos assim. Independente de ser petista ou não ser petista, as pessoas acreditavam no que faziam. Então foi muito boa a primeiro gestão, as demais já... Sabe a tal da governabilidade, você já vai entregando algumas áreas, ‘Ah, tem que entregar o transporte para o PMDB, ai você fala ‘Ah, gente, já virou mais do mesmo e terminou daquele jeito que terminou que não está explicado até hoje né, mas enfim... Foi legal. Aquela parte foi legal, embora assim, cultura não era uma coisa que eu tinha muita afinidade, mas assim era legal, eu queria ficar mais na educação, que era mais bacana né.


Pergunta:
Bom, agora, vamos passar para a carreira de professor?


Resposta:
Vish...


Pergunta:
Acho que você pode... Bom, se você quiser comentar alguma coisa sobre o fato de que você começou como professor de idiomas, depois a FIAM e sua entrada na USCS.


Resposta:
É de idiomas, na verdade eu fiz... Eu fiz... Eu me lembro de que eu estudava no CCAA e toda ano que eu achava que ia terminar, o CCAA criava um book novo, então ‘Não é mais dez. É onze, doze, treze, catorze... ', falei ‘Gente, não dá mais. Eu não vou ficar mais aqui, preciso ganhar dinheiro', e eu precisava mesmo ganhar dinheiro, porque eu... Quando eu casei, eu lembro que tinha um negócio chamado inflação que as pessoas não sabem o que é isso, tinha um tal de gatilho salarial que disparava para alguns, mas nunca disparava para o funcionário público, olha que diferença, olha hoje né? E eu me lembro de que eu precisava tomar um trólebus e um ônibus para chegar a Santo André, e eu tinha que pagar a prestação do apartamento e aí chegou o momento que eu só tinha dinheiro para pagar uma condução e pensei ‘Ou eu vou a pé daqui até o trólebus, ou eu venho a pé de Santo André para cá porque não tenho mais dinheiro'. Eu tinha um fusca 73 que não tinha como tirar da garagem porque não tinha dinheiro para gasolina. E eu rezava para não receber visita em casa porque eu não tinha como pedir uma pizza, para gente pizza era uma coisa... A Rose vivia de bolsa de estudo da CNPq, sei lá qual que é, então assim, bolsista... Ela dava umas aulas na rede pública e para a gente... O passivo era maior que o ativo, não tinha jeito. Ai eu falei: ‘bom, então vou usar meus meios, vou vender conhecimento'. Aí eu resolvi dar aula de inglês, nunca tinha dado, mas aí... Eu lembro que a dona me adorava, ‘Nossa! Os alunos te adoram você é comunicativo, só fala sorrindo', então... Deu certo lá, ganhei confiança, embora eu ache que o meu inglês nunca passou, assim, do mediano né, mas enfim. Completou a renda lá, depois eu fui para o CNA, mas eu não gostava e acho que não gosto até hoje, de adolescente, adolescente é uma coisa que me... É muito boring, eu gosto de dar aula para idoso, para velhinho que faz festa, que leva bolo, que a gente... Sabe? É muito legal, eu adoro idoso. Então eu gostava mais do CNA, no CCAA já era mais adolescente. E aí eu fui para empresa, porque a empresa pagava muito mais, eu tinha que pegar meu carro, pegar meu gravador, levava para um lugar na empresa, dava aula para executivo... E aí tem a história do executivo né, ‘How can I say "samambaia" in English?', ‘Eu não sei como falar samambaia em inglês' e você começa a mina sua autoestima um pouquinho, vou lá saber o que é duplicata vencida? Eu não sabia, eu sou muito ruim. E aí, como salário começou a aumentar... Eu consegui depois prestar serviço lá na Medicina ABC e acabei largando o inglês. A entrada na faculdade se deu no mestrado, quando eu estava dando uma aula lá no... O professor José Marques de Melo me chamou em um canto, perguntou se eu conhecia a FIAM, eu menti, falei que sim, mas eu não tinha ideia de onde era a FIAM, ele falou ‘Ah, quero que você vá sexta-feira comigo lá então de manhã, eu vou te apresentar lá, que eu quero te dar umas aulas né', que era a turma do Zé Marques, ele tinha... Ele estava fazendo um consultoria e aí... Ele e a ____________ para renovar o grupo FMU, que ele era muito amigo dono lá. E aí na época vários produtos... Alunos e colegas da Metodista acabaram indo, acho que ele levou 12 pessoas para lá, então era a turma do Zé Marques, que chegou muito mal vista né, a gente estava ganhando menos de quem já estava lá, e roubando o lugar de quem já estava lá né, tanto que eu entrei no meio do semestre e a turma gostava do professor que saiu, acho que era um tal de Ataíde, que eu nunca conheci, aí entrou um tal de Arquimedes, e ‘Quem é Arquimedes? Quem é esse jegue?', eu lembro que era a turma da Fernanda Lima inclusive, a Fernanda Lima, aquela lá do ___________, mas assim foi muito... Era muito legal, primeiro que eu dava aula no Morumbi né, então só tinha gente chique, tinha os filhos de... Os filhos da... A maioria dos filhos de jornalistas eram meus alunos, muita gente que está aí na mídia, que é super famosa, passou por mim né. E a gente... Como a gente ficou com a carta branca do Zé Marques, ‘Faz aí o que vocês quiserem', então a gente começou a fazer jornal que não tinha jornal impresso, jornal on-line, aí eu acabei virando 40 horas [01:00'], eu lembro que eu chegava lá às 07h da manhã lá e ficava até às 23h da noite, duas, três vezes por semana, então a minha vida ficou lá, e passei a ganhar um pouquinho mais né, e gostei. Então de lá, estando lá na FIAM... Aí eles acabaram fechando depois de uns cinco anos, acho o Campus Morumbi, e virou o Liberdade, já grupo FMU, e eu lembro que a gente dava aula dentro do prédio de Direito, que eu não gostava muito porque era um lugar muito barulhento, com trânsito, para estacionar era ruim, então tinha muita droga rolando e tal e eu dava a última aula de sexta-feira, meu... Toda sexta-feira tinha bota-fora de alguma coisa ali, aí eu falei que ‘eu que vou me botar fora desse lugar'. Aí acabaram me chamando, que eles criaram a pós-graduação, me chamaram para a pós. Pagava o dobro né, então ok vou ficar na pós, eu já estava na pós mesmo, então ia ficar na pós. Aí veio a doença, que eu tive o problema na coluna, o crash, então já estava dando aula... Não, ok isso foi em 2009, mas em 2007 eu prestei concurso na USCS e fiquei... Era assessoria de imprensa a disciplina, mas eram poucas aulas, você entrava com quatro, oito aulas, sei lá, na época acho que eu tinha três salas, então não dava para depender da USCS, que chamava IMES na época, então eu tinha que complementar a USCS, Medicina ABC que eu comecei a prestar serviço, prefeitura... Era muita coisa, eu trabalhava absurdamente, eu vivia para trabalhar, não trabalhava para viver, aí aconteceu o crash da minha coluna, alguém puxou o freio de mão lá em cima [aponta para o céu] e falou ‘Parou!', e aí eu tive que repensar a vida: ‘Por que eu quero trabalhar tanto, ganhar tanto?'... Eu lembro que naquele ano eu gastei quase oito mil reais só de remédio, de fisioterapia, aí eu falei ‘Não, Rose, vou ficar só na USCS, ponto'. E aí nessa... pode falar.


Pergunta:
Como assim você foi pre


Acervo Hipermídia de Memórias do ABC - Universidade de São Caetano do Sul